sábado, 29 de agosto de 2009

Doce manhã de sábado

METADE (Oswaldo Montenegro)


Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio, que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca porque metade de mim é o que eu grito mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza, que a mulher que amo seja pra sempre amada mesmo que distante porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço e que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada porque metade de mim é o que penso, mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito e que o teu silêncio me fale cada vez mais porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta mesmo que ela não saiba e que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer porque metade de mim é platéia e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada porque metade de mim é amor e a outra metade também.

Um comentário:

disse...

Minhas duas metades também são amor, mas às vezes acho que é demais, porque dói demais.